quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

A FÉ NÃO CONTEMPLA A PROSPERIDADE TERRENA, MAS A SALVAÇÃO E A VIDA ETERNA

Ora, na benevolência divina, à qual dizemos que a fé contempla, entendemos que se obtém a posse da salvação e da vida eterna. Ora, se não pode faltar-nos bem algum quando Deus nos acolhe sob sua proteção, é suficiente segurança de nossa salvação que ele nos testifique o amor que nos tem. "Mostre ele sua face", diz o Profeta, "e seremos salvos" [Sl 80.3,7,19].
Do quê as Escrituras formulam esta síntese de nossa salvação: que, uma vez abolidas todas as inimizades, ele nos recebeu em sua graça [Ef 2.14,15]. Com isto dão evidentemente a entender que, uma vez que Deus esteja reconciliado conosco, não resta o menor perigo de que todas as coisas não nos sucedam bem. Portanto, a fé, aprendendo o amor de Deus, tem as promessas da vida presente e da vida futura [1 Tm 4,8], bem como a firme certeza de todas as coisas boas, a qual, porém, pode ser depreendida da Palavra.
Ora, por certo a fé não promete longevidade, nem honra, nem riquezas nesta presente vida, uma vez que nada destas coisas o Senhor quis que nos fosse destinado; pelo contrário, vivemos contentes com esta certeza: por mais que nos faltem muitas coisas que dizem respeito ao sustento desta vida, Deus, no entanto, jamais nos haverá de faltar. Mas, sua primordial certeza reside na expectação da vida futura que, pela Palavra de deus, foi posta além de toda dúvida. Entretanto, quaisquer que sejam na terra as misérias e calamidades que esperem aqueles a quem Deus já abraçou com seu amor, não podem impedir que sua benevolência lhes seja a plena felicidade. Daí, quando queríamos exprimir a suma da bem-aventurança, mencionamos a graça de Deus, de cuja fonte nos emanam todas as espécies de bênçãos. E isto, a cada passo, se pode observar nas Escrituras: que somos encaminhados ao amor do Senhor que, vezes sem conta, trata não só da salvação eterna, mas até de qualquer outro bem nosso. Razão por que Davi canta: a bondade divina, quando é sentida no coração piedoso, é mais doce e mais desejável do que a própria vida Sl 63,3.
Enfim, se tivéssemos tudo, segundo nosso desejo, mas vivêssemos incertos quanto ao amor ou ao ódio de Deus, nossa felicidade seria maldita, e por isso desditosa. Mas se Deus nos mostra seu rosto de Pai, até as próprias misérias nos serão para felicidade, pois se converterão em auxílio para a salvação.
Assim é que Paulo, enfeixando todas as coisas adversas, entretanto se gloria de que não somos por elas separados do amor de Cristo [Rm 8.34-39], e em suas preces sempre parte da graça de Deus, da qual emana toda prosperidade. De maneira semelhante, Davi contrapõe o favor de Deus a todos os temores que nos conturbam. "Se porventura eu andar em meio à sombra da morte, não temerei males, porque tu estás comigo" [Sl 23,4]. E sentimos sempre vacilar-nos o espírito, a não ser que, contentes com a graça de Deus, nela busquemos sua paz, profundamente arraigados no que lemos no Salmo: "Feliz é o povo cujo Deus é o Senhor, e a nação a quem ele elegeu por sua herança" [Sl 33,12].

CALVINO, João. "As Institutas", Edição Clássica, Ed. Cultura Cristã, 2ª ed., 2006, vol. III, pp. 52-53

LUTERO E A INUTILIDADE DAS RIQUEZAS DIANTE DA MORTE

LUTERO E A INUTILIDADE DAS RIQUEZAS DIANTE DA MORTE

Na sua exposição do capítulo 15 da 1ª Carta aos Coríntios, falando especificamente sobre os versículos 26 e 27, Lutero fala sobre a tolice humana de se apegar aos bens materiais quando eles são absolutamente inúteis diante da inevitabilidade da morte. O trecho abaixo faz parte de uma série de 17 pregações de Lutero levadas a cabo entre 11 de agosto de 1532 e 27 de abril de 1533, que foram compiladas pelo diácono Jorge Rörer e publicadas por Gaspar Cruciger no mesmo ano de 1533.

Comentário de Martinho Lutero a 1 Coríntios 15:26-27 – “O último inimigo a ser destruído é a morte. Por que todas as coisas sujeitou debaixo dos pés.”
O cristão, entretanto, justamente pelo fato de ter-se tornado um cristão, está enfiado na morte e a carrega consigo a toda hora, onde quer que esteja, precisando esperá-la a todo o momento enquanto aqui viver, uma vez que o diabo, o mundo e sua própria carne não lhe dão sossego. Em contrapartida, ele tem a vantagem de já ter saído da sepultura com a perna direita e tem um poderoso assistente que lhe estende a mão, ou seja, seu Senhor Cristo, que, há muito, já saiu, dá-lhe a mão e já o retirou em mais da metade, de modo que não resta mais que o pé esquerdo. Isso, porque o pecado já lhe está perdoado e eliminado, a ira de Deus e o inferno, apagados, ele já vive totalmente em e junto a Cristo e sua parte melhor (que é a alma) participa da vida eterna; por isso, a morte não mais pode segurá-lo nem comprometê-lo, exceto que o resto, a velha pele, carne e sangue precisam decompor-se para, também, renovar-se e, também, poder seguir à alma. No mais, já chegamos totalmente à vida, porque Cristo e minha alma não mais estão na morte.
Desse consolo e obstinação, o mundo nada sabe, embora teimem e se gabem de muito dinheiro e posses, de grande prestígio, amizade e poder. Porém, diga-me uma só pessoa que, com tudo isso, pudesse depender-se da morte ou evitá-la. Ainda não houve um sequer que tivesse levado consigo a mínima coisa, um grãozinho ou um pingo d’água. Têm que ficar deitados ali, não conseguem ajudar-se com uma respirada sequer, ficando estirados eternamente em fedor insuportável, se não os enterrarem. E nenhum vermezinho seria tão inofensivo a ponto de não conseguir apoderar-se deles para devorar o cadáver. Nenhum rei jamais foi tão rico e poderoso que pudesse levar consigo toda a sua coroa e poder o equivalente a um centavo que fosse. Pelo contrário, tudo que já tiveram, eles têm que deixar aqui fora, deixando-se enterrar no túmulo, totalmente desprovidos.
Embora não muitos de nós já tenhamos saído com Cristo da morte e da sepultura de volta para a vida, temos um homem que da morte tudo levou consigo, nada perdendo por causa dela, mas tudo levou consigo, não deixando lá um fio de cabelo sequer; mas, justamente nela, ele puxou todas as coisas para si (como ele mesmo diz) e as sujeitou a si, de modo que, dele e por meio dele, também nós tenhamos que sair e, também, puxar conosco tudo o que aqui deixamos. Disso podemos nos gabar e isso, também, podemos defender contra o mundo inteiro, ainda que ridicularizem a fé e o cristianismo, fiando-se em que, agora, têm dinheiro e posses suficientes, vivendo como querem em sua ganância e toda sorte de prazeres. Mas o que vale é: vai acumulando, poupando e ajuntando numa boa, vê quem consegue desbancar o outro! Se tu tens dinheiro e posses, poder e tudo que desejas, tenta levar um centavo contigo! Mas eu quero te mostrar um Senhor que nada deixou atrás de si na morte, mas arrancou tudo [dela] e, também, me dá a mão para que eu possa arrancar também a mim. Mostra-me um homem desses em todo o mundo que, alguma vez, tenha levado consigo um fio ou o tenha trazido da morte!? Que adianta tua insistência em algo tão nulo, que não fica em teu poder sequer um momento ao chegar a morte, como se quisesses tê-lo eternamente ou levar tudo contigo?
Martinho Lutero in OBRAS SELECIONADAS, Ed. Sinodal, 2005, “O capítulo 15 da Primeira Carta de S. Paulo aos Coríntios”, págs. 354-355

Mais que Vencedores (Sermão 751)

"Mas em todas estas coisas somos mais que vencedores, por aquele que nos amou.”  Romanos 8: 37.


A marca distintiva de um cristão é a sua confiança no amor de Cristo e a entrega de suas afeições para Cristo em correspondência mútua. Em primeiro lugar a fé põe seu selo no homem, capacitando a alma a dizer com o apóstolo: “Cristo me amou e entregou a si mesmo por mim”.Então  o amor proporciona a marca e põe no coração gratidão e amor por Jesus. “Nós amamos a Ele, porque Ele nos amou primeiro”.“Deus é amor”, e os filhos de Deus são governados em seu homem interior pelo amor; o amor de Cristo nos constrange. Crêem no amor de Jesus e então o refletem. Se regozijam devido o amor divino ter sido posto sobre eles; e o sentem derramado em seus corações pelo Espírito Santo que nos foi dado, e em seguida, motivados por gratidão, amam ferventemente ao Salvador com um amor puro.

E naquele grandioso tempo que constitui o período heróico da religião cristã, esse sinal duplo podia ser visto claramente em todos os crentes em Jesus . Eram pessoas que conheciam o amor de Cristo e se apoiavam nele, como um homem se apóia em um cajado cuja confiabilidade já está comprovada. Não falavam do amor de Cristo como se fosse um mito que devia ser respeitado ou uma tradição que devia ser reverenciada. O viam como uma realidade bem-aventurada e nele depositavam toda a sua confiança. Estavam persuadidos de que esse amor os transportaria como com asas de águias e os sustentariam todos os seus dias, e permaneciam confiantes que seria para eles um alicerce de rochas contra o qual as ondas e os ventos podiam golpear, e que mesmo assim a habitação de suas almas permaneceria  segura na rocha que Ele é. O amor que sentiam pelo Senhor Jesus não era aprazível afeição que ocultavam internamente na câmara secreta de suas almas e de lá falavam exclusivamente em seus cultos privados quando se reuniam no primeiro dia da semana e cantavam hinos em honra de Cristo Jesus crucificado, senão que para eles, era uma paixão de energia tão veemente e integralmente consumidora, que permeava toda a vida, tornando-se visível em todas as suas ações, conversações diárias, e olhavam através de Seus olhos mesmo nas coisas mais comuns.

O amor a Jesus era uma chama que se nutria da própria medula de seus ossos, da essência e do coração do seu ser, e portanto, a força dessa chama abria o seu caminho para o homem exterior e ali brilhava. O zelo pela glória do Rei Jesus era o selo e a marca de todos os cristãos genuínos. Devido a dependência que tinham do amor de Cristo, se atreviam muito, e devido o seu amor a Cristo, faziam muito. Graças a sua confiança no amor de Cristo, não temiam a seus inimigos, e devida ao seu amor a Cristo, se recusavam a fugir do inimigo, mesmo se se manifestavam em suas mais terríveis formas.

Os cristãos dos primeiros séculos continuamente se imolavam sobre o altar de Cristo com gozo e entusiasmo. Onde quer que estivessem, testemunharam contra os costumes perversos que os rodeavam. Consideravam algo digno de desprezo revoltante que um cristão fosse como o mundo ao seu redor. Não se conformavam com o mundo e não podiam fazê-lo pois haviam sido transformados pela renovação de suas mentes. Seu amor a Cristo os forçava a dar testemunho contra tudo que desonrava e era contrário a Verdade a Justiça e o Amor. Eram inovadores, reformadores e destruidores de ídolos em todos os lugares; não podiam ficar quietos e tranqüilos deixando  os outros fazerem  o que quisessem, seguindo suas próprias opiniões, antes disso, o protesto foi contínuo, incessante e irritante para o inimigo, mas aceitável para Deus. O cristão era um pássaro de cores chamativas em qualquer lugar, porque o amor por Jesus não permitia disfarçar suas convicções, eram estranhos e forasteiros em qualquer parte, porque a própria linguagem de suas vidas cotidianas diferia da dos seus vizinhos. Onde outros blasfemavam, eles adoravam, onde outros proferiam juramentos, seu “sim” era sim, e seu “não” era não. Onde outros cingiam a espada, eles não resistiam o mal, onde outras pessoas – cada uma delas – buscavam seu próprio bem-estar e não o do seu próximo, o cristão era conhecido como alguém cujo tesouro estava no céu e haviam posto seus afetos nas coisas de cima.

O amor por Jesus convertia um cristão em um protestante perpétuo contra o mal por causa de Cristo. E ainda ia mais longe; se convertia em um testemunho constante da Verdade de que havia sido comprovada ser algo muito precioso para sua alma. Os cristãos eram como Naftali, de quem se dizia: “Naftali é como uma gazela solta, que pronunciará ditos formosos”. E nos dias apostólicos, os cristãos mudos, as testemunhas silenciosas, eram pouco conhecidas. A ama falava de cristo as crianças. Havendo aprendido sobre Jesus, o menino falava dela em sua escola. Enquanto o trabalhador cristão dava seu testemunho na oficina, o ministro cristão (e havia muitos ministrando segundo a sua capacidade) estavam nas esquinas, e se reunindo em suas própria casa dezenas ou centenas, como fosse o caso, pregando sempre a doutrina da ressurreição, da encarnação de Cristo, de sua morte e ressurreição e do poder purificador do Seu sangue.

O amor de Cristo, como eu disse no início, era uma paixão real para aqueles homens, e sua confiança em Jesus era real e prática; daí o seu testemunho em favor de Cristo ser corajoso, claro e decidido. O antigo testemunho cristão era como uma trombeta ressoando e que despertava o velho mundo que estava em profundo sono, sonhando sonhos imundos; aquele mundo não queria ser despertado, e se prendendo aos seus sonhos, pronunciavam maldições graves e múltiplas, e juravam vingar-se contra os perturbadores que se atreviam a interromper seu terrível descanso.

Enquanto hoje tantos crente em Jesus – homens que não se importam em dar testemunho com suas vidas e testificar com sua boca nos lugares em que a providência os coloca – eles continuamente estavam comissionando grupos de missionários para que levassem a Palavra a outros lugares. Para Paulo não era suficiente pregar o Evangelho em Jerusalém ou Damasco, mas lhe era necessário viajar a Psídia e a Panfília, e viajar para os confins da Ásia menor, e  estava tão cheio de Cristo,  que sonhava com a vida eterna, e aquietando-se para dormir, teve uma visão de um homem da Macedônia, do outro lado do azul mar Egeu, que lhe suplica: “Passe a Macedônia e ajude-nos” – E com os primeiros raios do sol Paulo se levanta plenamente resolvido em tomar um barco e pregar o evangelho em meio aos gentios. Havendo pregado a Cristo ao largo de toda a Grécia, passou a Itália, e quando estava preso, entrou como embaixador de Deus dentro das muralhas da cidade Imperial de Roma, e se crê que depois disso, seu espírito não estava sagradamente satisfeito com a pregação por toda a Itália, mas teve que visitar a Espanha e se diz que chegou a Grã-Bretanha.

A ambição dos cristãos pela causa de Cristo  foi  sem limites; foi além do Estreito de Gibraltar e as mais afastadas ilhas do oceano, falando a respeito de um Salvador nascido para os filhos dos homens. Aqueles eram dias de grande zelo. Temo que nossos dias sejam dias de tibieza e sem a chama ardente. Aqueles eram tempos em que o fogo era como brasas vivas de zimbro, que guardam calor muito intenso, e nem os naufrágios, nem os perigos de ladrões, nem o perigo de rios, nem os perigos provocados por falsos irmãos, nem a espada, podiam deter o entusiasmo dos santos, pois eles criam e por isso falavam, eles amavam e por isso serviam inclusive diante da morte.

Assim eu apresento o nosso texto. Aqui estão os homens e seus conflitos por causa de Cristo! Era natural, era inevitável que provocassem animosidade. Vocês e eu não amamos a Cristo e nem cremos muito em Seu amor; me refiro a maioria de nós. Constituímos uma geração doente, indigna e degenerada. Desejamos paz com o mundo e que o mundo nos deixe em paz. Nos conformamos em grande parte aos costumes mundanos e desejamos que o mundo não se exaspere conosco.

Nós não acossamos os homens declarando perpetuamente a Verdade como deveríamos fazer, e, portanto, o mundo não se impacienta conosco – nos cataloga como uma boa classe de pessoas, um pouco extravagantes, talvez um pouco enlouquecidos, mas muito toleráveis e bem comportados – assim não temos a metade dos inimigos dos cristãos verdadeiros do tempo antigo enfrentaram, porque não somos nem metade cristãos verdadeiros, não, não somos sequer a décima parte do que os santos foram. Porque se fôssemos santos na mesma proporção, nós enfrentaríamos a mesma batalha, embora pudesse ser de outra forma.

Embora eu fale criticando a todos, há um punhado de pessoas aqui, assim confio, que tem sido capacitados pela graça divina para conhecer o poder do amor de Jesus e vivem debaixo de sua influência, e lutam pela Soberania do Rei coroado com espinhos. Esses são aqueles que suportam o mesmo tipo de lutas – ainda que de forma diferente – e conflitos dos dias apostólicos, e são pessoas que podem usar sem falsidade o meu texto: “Em todas estas coisas somos mais que vencedores por meio daquele que nos amou”.

Eu lhes peço que considere esta manhã, conforme o Espírito nos ajude, em primeiro lugar, as vitórias já alcançadas, segundo, os louros ( coroa) da batalha, e em terceiro lugar, os homens que venceram; e em quarto lugar, o poder mediante o qual foi lograda a conquista.


I. Veremos em primeiro lugar, nesta manhã, AS VITÓRIAS JÁ GANHAS por aqueles que são possuídos pelo amor de Cristo.

Considere atentamente o paladino (um herói honrado) – Não é necessário forçar a imaginação para conceber este lugar como o anfiteatro romano. Ali, no centro da Arena, está de pé o herói. As grandes portas das jaulas dos leões são abertas por meio de máquinas, e tão pronto são abertas, veloz e furiosamente saem os leões e bestas selvagens de todo tipo, previamente não alimentadas para acirrar a sua ferocidade com que há de lutar contra o paladino.

Assim era o cristão nos dias de Paulo, e assim é agora. O mundo é o teatro do conflito: os anjos e os demônios são espectadores, uma grande nuvem de testemunhas contemplam o conflito, e os monstros são atiçados contra eles, com os quais tem que lutar triunfalmente.

O apóstolo nos proporciona um pequeno resumo dos males contra os quais temos que combater, e coloca em primeiro lugar a “tribulação”. A palavra “tribulação”, em latim, significa “debulhar, moer” – e o povo de Deus é lançado com freqüência para ser açoitado com o pesado flagelo da tribulação; porém é mais que vencedor, porque não perde nada senão a palha, como quando o trigo é debulhado, e desta maneira, o trigo limpo é separado do que não lhe era benéfico.


No entanto, a palavra no original grego sugere uma pressão externa. É usada no caso de pessoas que estão sustentando cargas pesadas e tem sobrei si um grande peso. Agora, os crentes  tem de enfrentar quase o tempo todo a pressão das circunstâncias externas, por causa das enfermidades, e por perderem seus bens, pelas pelejas, e por mil outras coisas que faz brotar a aflição. O cristão tem um caminho diante de si: “no mundo tereis aflição” – é uma promessa certa e que nunca deixa de se cumprir. Mas os verdadeiros cristãos tem sido sustentados em todas as suas cargas, e nenhuma aflição é capaz jamais de destruir sua confiança em Deus.

Se diz da palmeira que quanto mais peso se põe sobre ela, mas se levanta e se projeta ao céu, e o mesmo sucede com o cristão. Como Jó, nunca é tão glorioso como quando ele experimenta a perda de todas as coisas, e como um rei se levanta de suas cinzas.

Irmãos, eles esperam enfrentar o inimigo enquanto permaneceram aqui, e se agora sofrem pelo peso da aflição, se recordam que devem vencê-la e não ceder a ela. Clamam forte pedindo forças, para que sua tribulação produza esperança e não desilusão.

A próxima da lista é “angústia”. A palavra grega se refere mais a aflição mental do que coisas externas. O cristão sofre por causa de circunstâncias externas, mas essa provavelmente é uma aflição menor que a interna.“Estreitamento do espaço”, lembra o significado da palavra grega. Algumas vezes nos encontramos em uma posição em que sentimos que não podemos nos mover, como se fôssemos incapazes de avançar, virar a direita ou a esquerda; a estrada está fechada, não vemos nenhuma libertação, e nossa própria consciência de debilidade e perplexidade é insuportavelmente terrível. Quando a mente está num estado de aflição e não sabe o que fazer;  como se acalmar e se estabilizar; e deseja considerar calmamente o conflito, se pudessem, para ser um homem com total controle dos seus sentidos, mas o diabo,  o mundo e a tribulação exterior, e o desânimo interior combinados, os jogam de um lado para o outro como ondas do mar, para usar uma expressão de John Bunyan: “Muito atribulados (oprimidos) por todos os lados em sua mente”.


Bem, agora, se você é um cristão verdadeiro, sairás disso sem maiores conseqüências. Serás mas que vencedor sobre a tribulação mental. Levará esse fardo, como qualquer outro, a teu Senhor e o colocará sobre Ele; e o Espírito Santo, cujo ofício é ser o Consolador, dirá as atribuladas ondas do teu coração: “Aquieta-te”. Jesus dirá, ao caminhar sobre a tempestade da tua alma: “Sou eu, não temais!” E quanto a tribulação externa e a tribulação interna se juntarem como os mares revoltosos, ambas serão apaziguadas pelo poder do Senhor Jesus.

O terceiro mal que o apóstolo menciona é a “perseguição”, que sempre tem sobrevindo aos homens que verdadeiramente amam a Cristo: O seu bom nome tem sido difamado. Se repetisse as infâmias que foram ditas contra os santos do passado, ficaria corado de vergonha. Basta dizer que não há nenhum crime ou qualquer categoria de vício que não tenha sido falsamente colocada na porta dos seguidores do puro e santo Jesus. O bom nome do cristianismo sobreviveu a reputação dos homens que tiveram a ousadia de acusá-lo e difamá-lo.

A prisão se seguiu as calúnias, mas em prisões, os santos de Deus tem cantado como pássaros em gaiolas, até mais do que quando estavam nos campos da plena liberdade. As prisões tem brilhado como palácios, e tem sido santificadas para se converterem em lugar de morada do própria Deus, muito mas consagrada do que temos consagrado os lugares de arquitetura imponente. A perseguição se propõe a banir os santos, mas em seu desterro eles tem estado em casa, e quando tem sido espalhados por todos os lados, tem ido pregar a Palavra, e sua dissiminação tem sido uma forma de alcançar outros escolhidos. Quando a perseguição tornou-se nas mais cruéis torturas, Deus recebeu muitos doces cânticos do lugar de tormento.

Os alegres gritos de St. Lawrence quando ele era queimado na fogueira, devem ter sido mais agradáveis a Deus do que as canções dos querubins e serafins, pois esse santo amava a Deus mais do que os mais resplandecentes  seres angélicos, e o demonstrava através de sua amarga angústia; e o senhor Hawkes, esse santo que, quando suas extremidades inferiores foram queimadas e as pessoas esperavam vê-lo rolar sobre a cadeia e cair sobre o fogo, ergueu suas mãos incendiadas – cada dedo ardendo em fogo – e aplaudiu três vezes enquanto clamava “Nada é como Cristo, nada é como Cristo!” Deus foi mais honrado por esse homem que queimou no fogo, que pelos bilhões que cantam louvores na glória. A perseguição em todas as suas formas tem sobrevindo a igreja de Cristo e até agora não tem conseguido qualquer vitória, mas tornou-se benefício fundamental para a própria igreja; como ela tem sido limpa da hipocrisia, quando o ouro é lançado ao fogo, não perde nada, senão a escória e o estanho o qual ela se alegra em perder.

Em seguida o apóstolo acrescenta: “fome”. Nós não estamos expostos a este mal em nossos dias, mas nos tempo de Paulo, eles eram exilados e levados a lugares onde não podiam exercer seu ofício para ganhar o pão. Eram alijados de suas posições, de seus amigos, de seus conhecidos; sofriam a perda de todos os bens e, conseguentemente, não sabiam onde encontrar qualquer sustento necessário para seus corpos; e sem dúvida, há algumas pessoas agora que são grandes perdedores por suas convicções de consciência, que são chamados a sofrer, em certa  medida, até mesmo a fome.

Então o diabo sussurra: “ Você deve cuidar de sua casa e de seus filhos, você não deve se unir a essa religião a ponto de perder o pão”. Ah!, amigo meu, veremos então se tens a fé que pode vencer a fome, que pode olhar na face da fome, que vê as costelas do esqueleto e ainda diz: “Ah! Suportarei a fome antes de vender minha consciência e manchar meu amor por Cristo”.

Depois vem a “nudez”, que é outra forma terrível de pobreza. O cristão era expulso de uma casa e depois de outra, e era impedido de trabalhar em sua profissão, e era incapaz de conseguir os fundos necessários, e portanto, suas roupas se convertiam em trapos, e os trapos iam desaparecendo um a um. Em outros momentos, os perseguidores desnudavam por completo homens e mulheres para os expor a vergonha; e era a nudez na vida de pessoas  de espíritos ternos e sensíveis, e esses espíritos foram expostos a esse mal nos dias antigos – mas nem isso foi capaz de intimidar o espírito invencível dos santos.

Nas antigas histórias dos mártires há história de homens e mulheres que tiveram que sofrer esta indignidade, e foi relatado por testemunhas oculares, que nunca deram a impressão de terem um dia estado melhor vestidos, pois quando foram apresentados desnudos na frente da multidão bestial para serem vistos por olhos cruéis, os próprios corpos deles pareciam resplandecer quando com rosto suave olharam os seus inimigos e se entregaram a morte.

O Apóstolo menciona depois da nudez, “perigo” – isto é, exposição constante a uma morte súbita. Esta era a vida dos primeiros cristãos.“Cada dia morro”, diz o apóstolo. A misericórdia na momento não era certa, pois a qualquer momento podia sair um novo decreto do Imperador romano para acabar com os cristãos. Estavam, literalmente com suas vidas nas mão daqueles que governavam. Algum dos perigos eram encontrados voluntariamente pela pregação do Evangelho; perigo de rios e perigo de ladrões eram a sorte do missionário cristão que atravessava climas inóspitos para proclamar o Evangelho. Outros perigos eram resultado da perseguição, mas nos é dito que os crentes em Jesus estavam tão firmados no amor de Cristo, que não sentiam que o perigo fora perigo, e o amor de Cristo os elevava de tal maneira acima dos pensamentos do homem natural da carne e do sangue, a ponto de que quando os perigos se convertiam em verdadeiros perigos, os enfrentavam com gozo, por causa do amor a Seu Senhor e Mestre.

E para fechar a lista, como se houvesse uma espécie de perfeição nestes males, a sétima coisa é a “espada”, isto é, o apóstolo Paulo singulariza uma forma de morte cruel como um retrato de tudo.  Vocês sabem bem e não necessito dizer como o nobre exército de mártires do meu Senhor ofereceu seus pescoços a espada, tão alegremente como a noiva dá sua mão ao noivo no dia do matrimônio. Vocês sabem como foram jogados na fogueira beijando a lenha; cantando a caminho de sua morte, enquanto a morte ia acompanhada da tortura mais cruel; e se regozijaram com grande gozo ao ponto de saltar e dançar ante ao pensamento de ser considerados dignos de sofrer por causa de Cristo.

O Apóstolo nos informa que os santos tinham sofrido toas estas coisas em conjunto. Ele não diz que somos vencedores em algumas dessas coisas, e sim em todas; muitos cristãos atravessaram literalmente a carência exterior, a tribulação interior, a carência de pão, a carência de roupas, em constante perigos de vida e finalmente entregaram a própria vida e, em cada passo em toda essa lista de sombrias lutas, os crentes foram mais que vencedores.

Amados, a maioria de vocês não são chamados hoje a lidar com esses riscos, a nudez ou a espada: se fossem, meu Senhor lhes daria graça para suportar a prova; mas eu penso que as tribulações de um cristão no presente, embora não sejam tão terríveis exteriormente, são todavia mais duras de se levar do que muitas daquelas. Termos de suportar o escárnio do mundo é terrível mas é pouco; pois substancialmente pior é sua lisonja, suas palavras doces, seus diálogos escorregadios, seu servilismo e hipocrisia.

Oh! Senhores, seu perigo é tornarem-se ricos e se tornarem arrogantes, e que se entreguem as modas do presente mundo perverso e percam sua fé. Se não puderem ser destroçados pelo rugido do leão, podem ser triturados pelo abraço do urso, o diabo pouco se importa qual é o instrumento que possa eliminar o amor de Cristo em você e destruir sua confiança nEle. Eu temo que a igreja esteja em maior perigo de perder sua integridade nestes dias macios e sedosos do que naqueles tempos difíceis.

Por acaso não há muitos cristão professos cujo método de comércio é igualmente cruel e truculento como de um homem mundano? Acaso não temos alguns cristãos professos que são completamente mundanos, com grande ausência de nossas reuniões para orar, com falta de liberalidade para a manutenção financeira da causa de Cristo, cujo comportamento geral, na verdade, mostra que, se há qualquer graça na sua vida, certamente não é a graça que vence o mundo, mas uma graça apenas alegada e que permite que o mundo ponha  o pé em sua cabeça? Temos que ser despertados agora, pois atravessamos a “terra encantada” e somos mais propensos a ser arruinados, a menos que nossa fé em Cristo seja uma realidade, e nosso amor por Jesus seja uma chama veemente. Temos mais possibilidade de nos convertermos em bastardos que em filhos, e em ervas daninhas do que em trigo, em hipócritas do que em uma bela vinha. Os cristãos pensam que nestes tempos podem prescindir da vigilância e do santo zelo; mas necessitam destas coisas agora mais do que nunca, e que Deus o Espírito Eterno manifeste sua Onipotência sobre vocês, para que em todas as coisas mais brandas como em todas as coisas mais difíceis, sejam capazes de dizer: “Somos mais que vencedores por meio daquele que nos amou”.

II. Agora vou fazer uma breve referência a segunda parte desse sermão. Vamos inspecionar OS LOUROS (a coroa) DO COMBATE.

Até agora os crentes tem sido vencedores, porém, o texto diz que são “mais que vencedores”. Que significa isso? A palavra no texto original é uma das fortes expressões do Apóstolo Paulo; poderíamos traduzi-la  como: “mais retumbantes vencedores”. A Vulgata, eu creio, contem uma palavra que significa: “Super-vencedores”, vencendo acima de todas as coisas.

Ser vencedor para um cristão é algo grandioso; como podem ser mais que e um vencedor? Primeiro, eu creio que um cristão é melhor que outros vencedores em muitos sentidos, porque o poder mediante o qual vencem é muito mais nobre.

Olhemos um vencedor que acaba de regressar das olimpíadas gregas; que quase matou seu oponente em uma severa luta de boxe, e se aproxima para receber a coroa. Aproxime-se dele, olhe o seu braço, observe seus tendões e músculos.

Vamos lá! Os músculos do homem são como o aço e você diz: “Eu não me surpreendo que você tenha golpeado e batido o seu oponente; se eu pudesse fazer uma máquina em aço e operada a vapor, poderia ter feito o mesmo, pois apenas a pura matéria esteve operando. Em sua constituição és um homem forte e mais vigoroso que teu inimigo, isto é certo, mas, onde está a glória particular a teu respeito? Uma máquina é mais forte do que outra. Sem dúvida devo te dar o crédito pela tua resistência, mas você é apenas um brutamontes socando outro brutamontes. Os cães, os touros, os galos de briga e todo tipo de animais teriam resistido a uma peleja igual, e talvez pior”.

Agora, veja o campeão cristão regressando da luta depois de haver obtido a vitória! Olhem para ele! Ele tem vencido a sabedoria humana, mas quando o olho, não percebo nenhuma preparação nem astúcia: se trata de uma pessoa simples e iletrada que só sabe que Jesus Cristo veio ao mundo para salvar os pecadores; ma obteve vitória sobre filósofos profundos, então ele é mais que vencedor. Tem sido tentado e provado de todas as maneiras, e não era tido como pessoa inteligente, era muito fraco, mas de alguma maneira, tem vencido. Isso é ser mais que vencedor: quando a debilidade vence a força, quando a força bruta é frustrada pela gentileza e pelo amor. Isto certamente é uma vitória, quando as pequenas coisas vencem as grandes coisas; quando as coisas vis deste mundo derrotam as poderosas, e as coisas que não são vencem as que são; este é precisamente o triunfo da graça. Vista da perspectiva do olho, dos sentidos, o cristão é débil e fraco como a água, embora saiba por fé que é irresistível. De acordo com os sentidos, é algo que deve ser pisado, pois não opõe nenhuma resistência, mas aos olhos de Deus, se converte precisamente por sua gentileza e paciência em mais que vencedor.

Além disso, o cristão é mais que vencedor porque o vencedor que luta para vencer  - peleja por algum motivo egoísta. Mesmo que o assunto seja patriotismo, e apesar do patriotismo ser uma das mais belas virtudes mundanas, é somente um magnífico egoísmo pelo qual uma pessoa se contente em seu próprio país, em vez de estar sujeito aos mais generosos pensamentos de cuidado para com todas as pessoas, todos os homens.

Mas os cristãos não lutam por um conjunto de homens e nem por si mesmos: Luta pela verdade que é para todos os homens, mas especialmente por Deus, e tudo sofre sem ter nenhuma perspectiva de ganho terreno e ganância.  São mais que vencedores, tanto pelo poder que os sustenta na luta, como pelos motivos pelas quais a suportam, que são melhores que os motivos e a força que sustenta outros conquistadores.

Ele é mais que vencedor porque não perde nada, nem mesmo na própria luta. Quando uma guerra é ganha, o lado vencedor de qualquer maneira perde algo. Na maior parte das guerras, o ganho raramente compensa o derramamento de sangue, mas quando a fé do cristão é provada, se fortalece; sua paciência, quando provada, se torna mais paciente.  Suas graças são como o lendário Anteo (Gigante da mitologia grega, filho de Posseidon) , que, quando era derrubado em terra, se levantava mais forte que antes de tocar a mão terra; pois o cristão, ao tocar em seu Deus e cair indefeso nos braços do Altíssimo, volta mais forte por tudo que é levado a sofrer. É mais que vencedor, pois não perde nada, nem mesmo  na própria luta, e ganha assombrosamente através da vitória.

É mais que vencedor sobre a perseguição porque a maioria dos vencedores tem que forçar e agonizar para conseguir a vitória, mas, irmãos meus, muitos cristãos, sim, todos os cristãos, quando sua fé em Cristo é sólida e seu amor a Cristo e fervoroso, tem descoberto que é fácil vencer inclusive os sofrimentos pelo Senhor.

Contemplem a Blandina, envolvida numa rede, levantada no ar pelos chifres de touros e depois forçada a se sentar em uma cadeira para incineração em brasas, e ainda assim, invencível até o final.

Os torturadores disseram ao imperador: “Oh! Imperador! Nos sentimos envergonhados pois estes cristãos zombam de nós quando sofrem crueldades”. É verdade, os verdugos pareciam ser eles mesmos atormentados; pois se afligiam ao pensar que não podiam vencer as tímidas e frágeis mulheres e nem mesmo as crianças. Devoravam seus próprios corações com ira, como a víbora  mordendo a lima (fábula de Esopo – nº XVIII – a serpente e a lima),  se rompia seus dentes contra a férrea força da fé cristã; não podiam suportar porque aquelas pessoas sofriam sem se queixar, suportavam sem revidar, e glorificavam a Cristo em meio ao fogo sem se arrepender ou se lamentar.

Eu adoro pensar sobre o exército de mártires de Cristo, sim, e pensar em toda a santa igreja marchando pelo campo de batalha, cantando na hora do combate, sem nunca parar de cantar, sem omitir uma nota, e ao mesmo tempo avançando de vitória em vitória, cantando o sagrado aleluia enquanto pisoteiam seus inimigos.

Vi um dia no lago de Orta, no norte da Itália, uma comemoração de um dia sagrado para a igreja de Roma, um número de barcos que procediam de todas as direções do lago, se dirigindo para uma igreja que estava em uma ilha no centro do lago, e era singularmente belo ouvir o canto conforme os barcos se dirigiam em grande procissão, com todos os aldeãos levando seus estandartes ao lugar designado para a reunião.

O esguicho dos remos marcava o tempo para os remadores, e os remadores não deixavam de remar por estarem cantando, nem a canção era desfigurada por causa dos esguichos dos remos, e foram se aproximando da ilha cantando e remando.

E o mesmo tem acontecido com a igreja de Deus. A igreja tem aprendido a manejar ambos os remos: o remo da obediência e o remo do sofrimento, e cantar enquanto rema: “Graças sejam dadas a Deus, o qual nos conduz sempre em triunfo em todo lugar!” – ainda somos conduzidos a sofrer e somos obrigados e pelejar, somos mais que vencedores, porque somos vencedores inclusive na maneira que lutamos, contamos no meio do calor da batalha, levantando alto o estandarte e repartindo os despojos no meio da batalha. Quando a batalha está em seu apogeu, então somos mais felizes; e quando a luta é mais severa, então somos mais bem-aventurados; e quando a batalha se torna mais árdua, então “estamos tranquilos em meio a perplexidade, confiantes na vitória”. Os santos têm sido em todos os sentidos mais que vencedores.

Mais que vencedores, eu espero, neste dia, por ter vencido a seus inimigos fazendo-lhes o bem, convertendo seus perseguidores por sua paciência. Para usar o velho lema protestante, a igreja tem sido a bigorna e o mundo tem sido o martelo; e  embora a bigorna nada faça a não ser suportar o golpe, tem quebrado todos os martelos, como continuará a fazê-lo até o fim do mundo.

Todos os verdadeiros crentes que realmente confiam no amor de Jesus, e realmente estão acesos nele, serão muitos mais gloriosos que o conquistador romano quando  marchava em seu cavalo branco como a neve  nas ruas da cidade imperial; seguido por jovens donzelas, mães e anciãos se reunidos junto as janelas e varandas e jogavam flores sobre as legiões vencedoras que desfilavam, porém, o que é isto comparado com o triunfo que neste exato momento está sobre o grande exército dos eleitos de Deus que irão desfilar pelas ruas da Nova Jerusalém? Que flores são essas que o os anjos jogam sobre a senda dos bem-aventurados? Que cântico são esses que se levantam nos palácios de Sião, todos gritando e cantando com alegria enquanto os santos marcham para suas habitações eternas?


III. O tempo está quase esgotado e, portanto, em terceiro lugar, só direi uma ou duas palavras. Quem são OS VENCEDORES?

Considere cuidadosamente essas poucas palavras que direi. Os homens que tem vencido a batalha até agora, são conhecidos somente pelas coisas que mencionei no princípio – homens que creram no amor de Cristo por eles, e que estavam possuídos pelo amor de Cristo, pois não tem havido outra distinção a não ser estas. Alguns tem sido ricos: A casa de César produziu mártires. Outros tem sido pobres: só umas poucas inscrições nos túmulos das catacumbas tem sido escritas corretamente; devia haver muitas pessoas pobres e iletradas que compunham a maioria da pessoas nas primeiras igrejas cristãs, mas todas as classes estão entre os vencedores. Bispos  foram queimados e príncipes morreram nas fogueiras, mas mais numerosos eram os tecelões, alfaiates e costureiras. Os mais pobres entre os pobres foram valorosos como os ricos; os sábios morreram gloriosamente, mas os iletrados também trazem a palma em suas mãos. As crianças pequenas também sofreram; suas pequenas almas, lavadas no sangue de Cristo, foram avermelhadas pelo seu próprio sangue, entretanto, os idosos não foram deixados para trás. Deve ter sido um espetáculo triste, porém glorioso, ver o ancião Latimer, que estava com mais de setenta anos de idade, tirar toda a sua veste, exceto a sua camisa, e tendo se colocado de pé, disse enquanto se voltava para o senhor Ridley: “Coragem, irmão! Hoje acenderemos um fogo de tal proporção na Inglaterra, que pela graça de Deus, nunca irá se apagar”.

Oh! Anciãos, se desejam servir a meu Senhor, ainda não passou a melhor parte de suas vidas para fazê-lo. Jovens, se querem ser heróis, agora é sua oportunidade. Vocês, que são pobres, podem resplandecer com grande glória, como o rico; e vocês, que tem riquezas, podem considerar como seu gozo se foram chamados para os lugares altos do campo de batalha do Senhor. Nesta luta há espaço para todos os que amam ao Senhor, e há coroas para cada um. Oh!, que Deus nos dê um espírito  e a força para nos alistarmos em seu exército, e para lutar até receber a coroa! Deixo este ponto, queridos amigos, esperando que vocês o ampliem em suas considerações e pensamentos.


IV. E agora vamos concluir. O apóstolo nos diz claramente que O PODER MISTERIOSO E IRRESISTÍVEL QUE SUSTENTOU A ESTAS PESSOAS MAIS QUE VENCEDORAS, foi “por meio daquele que nos amou”.


Eles venceram graças a Cristo que era seu Capitão. Muito  depende do líder. Cristo os mostrou como vencer, ao suportar o sofrimento pessoalmente, vencendo para constituir-se em seu exemplo. Eles triunfaram por meio de Cristo como seu Mestre, pois suas doutrinas fortaleceram suas mentes; os fez viris, os fez anjos, os fez divinos, em suma, os fez participantes da natureza divina. Mas acima de tudo, eles venceram porque Cristo estava verdadeiramente com eles. Seu corpo estava no céu, pois havia ressuscitado, mas Seu Espírito estava com eles. Aprendemos em toda história dos santos que Cristo tem uma maneira de infundir força sobrenatural nos mais débeis entre os débeis. O Espírito Santo, quando entra em contato com nossos espíritos pobres e  vacilantes, nos cinge para algo que é absolutamente impossível para os homens realizarem sozinhos.  Olhe o homem tal como é, e o que ele pode fazer? Irmãos, não podem fazer nada. “Sem mim nada podes fazer”. Agora olham para o homem com Deus nele, e vou inverter a pergunta: O que ele não pode fazer?  Eu não vejo um homem ardendo naquelas fogueiras; eu veja Cristo sofrendo nesse homem. Eu não vejo um mártir na prisão, senão o poder divino rindo ante o aprisionamento e escarnecendo das cadeias de ferro. Não vejo uma virgem de mente sensível e de escassa educação contendendo com os sofistas e com os debatedores, eu vejo o Espírito do Deus vivo falando através  de sua linguagem simples, ensinando-a naquele instante o que deve dizer, e demonstrando a verdade de que a loucura de Deus é mais sábia que os homens, e que a fraqueza de Deus é mais forte que os homens.


Oh! É glorioso pensar que Deus toma as coisas mais insignificantes, as mais pobres e as mais fracas, e entra nelas e diz: “Venham todos vocês, que são sábios e grandes, e eu vou envergonhá-los por meio daqueles que são tolos e fracos! Agora, venham vocês, demônios do inferno, venham vocês, homens da terra, que proferem ameaças e espumam com sua crueldade; venham todos vocês, e este pobre ser indefeso irá rir com desprezo de vocês, e triunfará no fim!” Esse é o Poder de Cristo. Perceberam o nome com que o Apóstolo chamou o nosso Senhor neste texto? É tão significativo, que eu penso que é a chave do texto: “Por meio daquele que nos amou”. Sim, o amor que obteve a vitória. Eles sabiam que Ele os amava, que os havia amado e que sempre os amaria. Eles sabiam que se sofriam por Sua causa, foi Seu amor que lhes permitiu sofrer, para que fosse para eles a vitória definitiva, e para sua eterna e permanente honra. Eles sentiam que Ele os amava, não podiam por isso em dúvida, nunca desconfiaram desse fato, e isso foi o que os fez tão fortes. Oh! Amados, vocês são fracos hoje? Se voltem para Ele que os amou. O amor de vocês está esfriando? Não vá a Moises para aumentar o seu amor; não examinem os próprios corações com a intenção de encontrar algo bom, mas vá direto a Ele que os amou. Pensem nesta manhã que Ele, nosso Senhor, abandonou o céu, e pensem em sua encarnação na terra. Pensem especialmente em seu suor de sangue no Getsêmani, e nas feridas do Calvário, e na Sua sede ao morrer, e no “Deus meu, Deus meu, porque me desamparaste?” Pensem em tudo isso. Deixe que o amor de Cristo por vocês seja gravado com fogo em suas consciências, e na força disto, não temam nenhuma dificuldade, não sintam terror em nenhuma tribulação, tão somente marchem para a batalha de suas vidas como os heróis antigos foram a batalha, e hão de retornar com suas coroas de vitória como eles regressaram das suas batalhas, e descobriram que essas linhas que acabamos de cantar, são certas da maneira totalmente divina.

“Aqueles que com seu Líder tem vencido a batalha,
Pelos séculos dos séculos estarão vestidos de branco”.


Texto das Escrituras lidos antes do Sermão:
Romanos 8.28-39 e Hebreus 11.32-40

Metropolitan Tabernacle  Pulpit

Sermão número 751

Sermão pregado na manhã de Domingo, 19 de Maio de 1867

Por Charles Haddon Spurgeon

No Tabernáculo Metropolitano, Newington, Londres.
(Tradução – charleshaddonspurgeon.com)

terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

Mortificando o pecado pelo Espírito Santo

“Assim, pois, irmãos, somos devedores, não à carne como se constrangidos a viver segundo a carne. Porque, se viverdes segundo a carne, caminhais para a morte; mas, se, pelo Espírito, mortificardes os feitos do corpo, certamente, vivereis” (Romanos 8.12-13).

A santificação é um processo em que o próprio homem desempenha uma parte. Nessa parte, o homem é chamado a fazer algo “pelo Espírito”, que está nele. Consideraremos agora o que exatamente o homem tem de fazer. A exortação é esta: “Se, pelo Espírito, mortificardes os feitos do corpo”. O crente é chamado a mortificar os feitos do corpo.

Temos, primeiramente, de abordar a palavra corpo, que se refere ao nosso corpo físico, nossa estrutura física, conforme vemos também no versículo 10. A palavra não significa “carne”. Até o grande Dr. John Owen se enganou neste ponto e trata a palavra como uma alusão à “carne” e não ao “corpo”. Mas o apóstolo, que antes falara tanto a respeito de “carne”, agora fala sobre o “corpo”. Ele fez isso no versículos 10 e 11, assim como o fizera no versículo 12 do capítulo 6. Paulo se referia a este corpo físico em que o pecado ainda permanece e que um dia será ressuscitado em “incorruptibilidade” e glorificado, para tornar-se semelhante ao corpo glorificado de nosso bendito Senhor e Salvador.

Enfatizo novamente que temos de ser claros neste assunto, porque está sujeito a ser mal entendido. O ensino não é que o corpo humano ou a matéria são inerentemente pecaminosos. Já houve heréticos que ensinaram esse erro conhecido como dualismo. Ao contrário disso, o Novo Testamento ensina que o homem foi criado bom tanto em corpo, alma e espírito. Não ensina que a matéria é sempre má e que, por essa razão, o corpo é sempre mau. Houve um tempo em que o corpo era... totalmente livre do pecado. Mas, quando o homem caiu e pecou, todo o seu ser caiu, e ele se tornou pecaminoso no corpo, mente e espírito.

Temos visto que pelo novo nascimento o espírito do homem é liberto. Ele recebe vida nova — “O espírito é vida, por causa da justiça” (Rm 8.10). Mas o corpo ainda “está morto por causa do pecado”. Esse é o ensino do Novo Testamento! Em outras palavras, embora o crente seja regenerado, ainda permanece em um corpo mortal. Por isso enfrentamos problemas para viver a vida cristã, visto que temos de lutar contra o pecado enquanto estivermos neste mundo, pois o corpo é fonte e instrumento de pecado e corrupção. Nossos corpos ainda não foram redimidos. Eles o serão, mas agora o pecado ainda permanece neles.
Conforme vimos, o apóstolo deixa isso bem claro. Em 1 Coríntios 9.27, ele disse: “Esmurro o meu corpo” (1 Coríntios 9.27), porque o corpo nos impele a obras más. Isso não significa que os instintos do corpo são em si mesmos pecaminosos. Os instintos são naturais e normais, não sendo, inerentemente, pecaminosos. Mas o pecado que permanece em nós está sempre tentando levar os instintos naturais a direções erradas. O pecado tenta levá-los a “afeições imoderadas”, a exagerá-los; tenta fazer-nos comer demais, satisfazer em excesso todos os nossos instintos, de modo que se tornem “imoderados”. Vendo esse assunto de outro ângulo, esse princípio pecaminoso tenta impedir-nos de dar atenção ao processo de disciplina e autocontrole ao qual somos constantemente chamados nas páginas das Escrituras. O pecado remanescente no corpo tende a agir dessa maneira. Por isso, o apóstolo fala sobre os “feitos do corpo”. O pecado tenta tornar o natural e normal em algo pecaminoso e mau.

O termo “mortificar” explica-se a si mesmo. “Mortificar” significa matar, trazer à morte... logo, a exortação diz que temos de matar, por um fim nos “feitos do corpo”. De uma perspectiva prática, esta é a grande exortação do Novo Testamento em conexão com a santificação e se dirige a todos os crentes.

Como devemos fazer isso?... O apóstolo esclarece: “Se, pelo Espírito, mortificardes os feitos do corpo” — pelo Espírito! É claro que o Espírito é mencionado particularmente porque a sua presença e sua obra são características peculiares do verdadeiro cristianismo. Isto é o que diferencia o cristianismo da moralidade, do “legalismo” e do falso puritanismo — “pelo Espírito”. O Espírito Santo, conforme já vimos, está em nós crentes. Você não pode ser um crente sem o Espírito Santo. Se você é um crente, o Espírito Santo de Deus está em você, agindo em você. Ele nos capacita, nos dá forças e poder. Ele nos traz a grande salvação que o Senhor Jesus Cristo realizou, capacitando-nos a desenvolvê-la. Portanto, o crente nunca deve se queixar de falta de capacidade e poder. Se o crente diz: “Eu não posso fazer isso”, está negando as Escrituras. Aquele que é habitado pelo Espírito Santo nunca deve proferir tais palavras; fazê-lo significa negar a verdade a respeito dele mesmo.

Conforme disse o apóstolo João, o crente é alguém que pode dizer: “Temos recebido da sua plenitude e graça sobre graça” (Jo 1.16). No capítulo 15 de seu evangelho, João descreve os cristãos como ramos da Videira Verdadeira. Por isso, nunca devemos afirmar que não temos poder. Certamente, o Diabo está ativo no mundo e tem grande poder; contudo, “maior é aquele que está em vós do que aquele que está no mundo” (1 Jo 4.4). Ou considere novamente aquela importante declaração feita em 1 João 5.18-19: “Sabemos que todo aquele que é nascido de Deus não vive em pecado”. A expressão “não vive em pecado” expressa uma ação contínua no presente, e o sentido é este: “Sabemos que todo aquele que é nascido de Deus não vive pecando”. Por que não? Porque “Aquele que nasceu de Deus” — ou seja, o Senhor Jesus Cristo — “o guarda, e o Maligno não lhe toca”.

João afirmou que isso é verdade em relação a todos os crentes. O crente não vive no pecado porque Cristo está vivendo nele, e o Maligno não pode tocar-lhe. Isso significa não somente que o Maligno não exerce controle sobre o crente, mas também que o Maligno não pode nem mesmo tocar-lhe. O crente não está sobre o poder do Maligno. E, para incutir isso no crente, João afirmou em seguida: “Sabemos que somos de Deus”; e quanto ao mundo: “O mundo inteiro jaz no Maligno” (1 Jo 5.19). O mundo está nos braços e domínio do Maligno, que o controla... O Diabo tem completamente em suas mãos e controle o mundo e os homens que pertencem ao mundo, os quais são suas vítimas indefesas. Não há sentido em dizer a tais pessoas que mortifiquem “os feitos do corpo”; elas não podem fazer isso, porque estão sob o poder do Diabo. Mas a situação do crente é outra; ele pertence a Deus e o Maligno não lhe pode tocar. O Diabo pode rugir para o crente e amedrontá-lo ocasionalmente, mas não pode tocar-lhe e, muito menos, controlá-lo.

Essas são afirmações típicas que o Novo Testamento faz a respeito do crente. E, quando compreendemos que o Espírito está em nós, experimentamos o seu poder. Somos chamados a usar e exercitar o poder que está em nós pela habitação do Espírito Santo. “Assim, pois, irmãos, somos devedores, não à carne como se constrangidos a viver segundo a carne. Porque, se viverdes segundo a carne, caminhais para a morte; mas, se, pelo Espírito” — que habita em vós —, “mortificardes os feitos do corpo, certamente, vivereis.” A exortação diz que devemos exercitaro poder que está em nós “pelo Espírito”. O Espírito é poder e está habitando em nós. Por isso, somos instados a exercer o poder que está em nós.

Mas, como isso se realiza na prática?... Para começar, temos de entender nossa posição espiritual, pois muitos de nossos problemas se devem ao fato de que não compreendemos e não recordamos quem e o que somos como crentes. Muitos se queixam de que não têm poder e de que não sabem fazer isto ou aquilo. O que precisamos dizer-lhes não é que eles são absolutamente incapazes e que devem desistir. Pelo contrário, todos os crentes precisam ouvir estas palavras de 2 Pedro 1.2-4: “Graça e paz vos sejam multiplicadas, no pleno conhecimento de Deus e de Jesus, nosso Senhor. Visto como, pelo seu divino poder, nos têm sido doadas todas as coisas que conduzem à vida e à piedade”. Tudo que “conduz à vida e piedade” nos foi dado por meio do “conhecimento completo daquele que nos chamou para a sua própria glória e virtude”. E, outra vez: “Pelas quais nos têm sido doadas as suas preciosas e mui grandes promessas, para que por elas [por meio dessas mui grandes e preciosas promessas] vos torneis co-participantes da natureza divina, livrando-vos da corrupção das paixões que há no mundo”.

Apesar disso, há crentes que lamentam e se queixam de não terem forças. A respostas para esses crentes é esta: “Todas as coisas que dizem respeito à vida e à piedade lhes foram dadas. Parem de lamentar, murmurar e queixar-se. Levantem-se e usem o que está em vocês. Se vocês são crentes, o poder está em vocês pelo Espírito Santo. Você não estão desamparados”. Todavia, o apóstolo Pedro não parou ali. Ele disse também: “Aquele a quem estas coisas não estão presentes” — em outras palavras, o homem que não faz as coisas sobre as quais foi exortado — “é cego, vendo só o que está perto” (2 Pe 1.9). Ele tem uma visão curta, havendo “esquecido da purificação dos seus pecados de outrora”. Não possui uma visão verdadeira da vida cristã. Está falando e vivendo como se fosse uma pessoa não-regenerada. Ele diz: “Não posso continuar sendo cristão; é demais para mim”. Pedro exorta esse homem a compreender a verdade a respeito de si mesmo. Precisa ser despertado, ter seus olhos abertos e sua memória refrescada. Ele precisa se animar e fazer, em vez de lamentar as suas imperfeições.

Além disso, temos de compreender que, se somos culpado de pecado, entristecemos o Espírito Santo de Deus, que está em nós. Pecamos a todo momento. O fato deveras grave não é o de que pecamos e nos tornamos infelizes, e sim o de que entristecemos o Espírito de Deus que habita em nosso corpo. Quão frequentemente pensamos nisso? Acho que, ao falarem comigo a respeito desse assunto, as pessoas sempre falam sobre si mesmas — “meu erro”. “Estou sempre caindo nesse pecado.” “Este pecado está me desanimando.” Falam completamente a respeito de si mesmas. Não falam sobre o seu relacionamento com o Espírito Santo. E, por essa razão: o homem que compreende que o maior problema de sua vida pecaminosa é o fato de que está entristecendo o Espírito Santo, esse homem para de fazer isso imediatamente. No momento que o crente percebe que esse é o seu verdadeiro problema, ele lida com esse problema. Não se preocupa mais com seus próprios sentimos. Quando o crente compreende que está entristecendo o Espírito Santo de Deus, ele age imediatamente.

Outra consideração importante sobre este tema geral é o fato de que temos sempre de fixar-nos no alvo crucial. Pedro enfatizou isso no mesmo capítulo da sua epístola: “Procedendo assim, não tropeçareis em tempo algum. Pois desta maneira é que vos será amplamente suprida a entrada no reino eterno de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo” (2 Pe 1.10-11). Se vocês fizerem o que exorto-os a fazer, ele disse, a morte, quando lhes chegar, será algo maravilhoso. Você não somente entrarão no reino de Deus; antes, terão uma entrada ampla. Haverá um desfile triunfante; os portões do céu serão abertos, e haverá grande regozijo. Pedro não estava se referindo à nossa salvação presente, e sim à nossa glorificação final, à nossa entrada nos “tabernáculos eternos” (Lc 16.9).

Portanto, temos de manter os olhos fixos nesse alvo. Nosso maior problema é que sempre estamos olhando para nós mesmos e para o mundo. Se pensarmos mais e mais sobre nós mesmos como peregrinos da eternidade (o que, de fato, somos), todo o nosso viver será transformado. Paulo afirmou isso no versículo 11 deste capítulo. Mantenham seus olhos nisso, eles disse em outras palavras; mantenham seus olhos no alvo. João disse a mesma coisa: “Amados, agora, somos filhos de Deus, e ainda não se manifestou o que haveremos de ser. Sabemos que, quando ele se manifestar, seremos semelhantes a ele, porque haveremos de vê-lo como ele é. E a si mesmo se purifica todo o que nele tem esta esperança, assim como ele é puro” (1 Jo 3.2-3). A causa de muitos de nossos problemas, como crentes, é que vivemos demais para este mundo. Persistimos em esquecer que somos apenas “peregrinos e forasteiros” neste mundo. Pertencemos ao céu; nossa pátria está no céu (Fp 3.20), e estamos indo para lá. Se apenas mantivéssemos isso diante de nossa mente, o problema de nossa luta contra o pecado assumiria um aspecto diferente...

Devemos nos mover agora do geral para o específico, relembrando-nos de que tudo é feito “pelo Espírito”, com uma mente iluminada por Ele. O que temos de fazer especificamente? O ensino do apóstolo pode ser considerado sob dois aspectos: direto e negativo, indireto e positivo.

No aspecto direto ou negativo, a primeira coisa que o crente tem de fazer é abster-se do pecado. É bem simples e direto! Pedro disse: “Amados, exorto-vos, como peregrinos e forasteiros que sois, a vos absterdes das paixões carnais, que fazem guerra contra a alma” (1 Pe 2.11). Esse é um ensino bastante claro. Aqui não há qualquer sugestão de que somos incapazes, temos de desistir da luta e entregar tudo ao Senhor ressuscitado. Amados, exorto-vos, como peregrinos e forasteiros que sois, a vos absterdes...” — parem de fazer isso, parem imediatamente, não o façam mais! Vocês precisam se abster totalmente desses pecados, essas “paixões carnais, que fazem guerra contra a alma”. Vocês não têm o direito de dizer: “Sou fraco, não posso; as tentações são poderosas”.

A resposta do Novo Testamento é: “Parem de fazer isso”. Vocês não precisam de hospital e de um tratamento médico; precisam recompor-se e compreender que são “peregrinos e forasteiros”. “Exorto-vos... a vos absterdes.” Vocês não têm qualquer negócio com essas coisas. Lembrem outra vez o ensino de Efésios 4: “Aquele que furtava não furte mais... Não saia da vossa boca nenhuma palavra torpe”. Não haja em vocês nenhuma dessas conversas ou gracejos tolos! Não façam isso! Abstenham-se! É tão simples e claro como estas palavras: parem de fazer isso!

Em segundo lugar, de modo específico, citando outra vez as palavras do apóstolo em Efésios: “Não sejais cúmplices nas obras infrutíferas das trevas; antes, porém, reprovai-as. Porque o que eles fazem em oculto, o só referir é vergonha” (Ef 5.11-12). Observe o que ele disse: “Não sejais cúmplices nas obras infrutíferas das trevas”. Vocês não devem apenas abster-se dessas coisas, mas também não ter comunhão com pessoas que fazem essas coisas ou têm esse modo de vida. “Não sejais cúmplices nas obras infrutíferas das trevas; antes, porém, reprovai-as.” O princípio governante de sua deve ser o não associar-se com pessoas desse tipo. Fazer isso é ruim para você e lhe será prejudicial... Não devemos ter qualquer comunhão com o mal; antes, precisamos fugir dele e manter-nos tão distantes quanto pudermos.

Outro termo é “esmurrar” (1 Co 9.27). “Esmurro o meu corpo”, disse o apóstolo. “Todo atleta” — ou seja, aquele que compete nas corridas — em tudo se domina”. As pessoas que passam por treinos visando as grandes competições atléticas são bastante cuidadosas quanto à sua dieta; param de fumar e ingerem bebidas alcoólicas. Quão cuidadosos eles são! E fazem tudo isso porque desejam ganhar o prêmio! Se eles faziam isso, disse Paulo, por causa de coisas corruptíveis, quanto mais devemos disciplinar-nos a nós mesmos... O corpo tem de ser “esmurrado”. Nas palavras de nosso Senhor registradas em Lucas 21.34, há uma sugestão a respeito de como isso deve ser feito. Ele disse: “Acautelai-vos por vós mesmos, para que nunca vos suceda que o vosso coração fique sobrecarregado com as conseqüências da orgia, da embriaguez e das preocupações deste mundo, e para que aquele dia não venha sobre vós repentinamente”. Não coma bem beba demais; não se preocupe excessivamente com as coisas deste mundo. Coma o suficiente e o alimento correto; mas não se torne culpado de “excesso”. Se uma pessoas satisfaz em demasia seu corpo, com alimento, bebida ou outra coisa, ele achará mais difícil viver uma vida cristã santificada e mortificar os feitos do corpo. Portanto, evite todos esses obstáculos, pois, do contrário, seu corpo se tornará indolente, pesado, moroso e lânguido. Há uma intimidade tão grande entre o corpo, a mente e o espírito, que achará grande problema em seu conflito espiritual. “Esmurre o corpo.”

Outra máxima usada pelo apóstolo, na Epístola aos Romanos, se acha no capítulo 13: “Revesti-vos do Senhor Jesus Cristo e nada disponhais para a carne no tocante às suas concupiscências” (v. 14). Se querem mortificar os feitos do corpo, “nada disponhais para a carne no tocante às suas concupiscências”. O que isso significa? Em Salmos 1, achamos um discernimento claro quanto ao significado dessas palavras do apóstolo. Eis a prescrição: “Bem-aventurado o homem que não anda no conselho dos ímpios, não se detém no caminho dos pecadores” (Sl 1.1). Se vocês querem viver esta vida piedosa e mortificar os feitos do corpo, não gastem tempo permanecendo nas esquinas das ruas, porque, se fizerem isso, provavelmente cairão em pecado. Se permanecerem no lugar por onde o pecado talvez passará, não se surpreendam se voltarem para casa em tristeza e infelicidade, porque caíram no pecado. Não se detenham no “caminho dos pecadores”. E, menos ainda, devem vocês assentar-se “na roda dos escarnecedores”. Se permanecerem em tais lugares, não haverá surpresa em caírem no pecado. Se vocês sabem que certas pessoas lhes são má influencia, evitem-nas, fujam delas. Talvez vocês digam: “Eu me ajunto com elas para ajudá-las, mas percebo que, todas as vezes, elas me levam ao pecado”. Se isso é verdade, não estão em condições de ajudá-las...

No livro de Jó, o homem sábio disse: “Fiz aliança com meus olhos” (Jó 31.1). Era como se dissesse: “Olhem diretamente, não olhem para a direita ou para a direita. Cuidem de seus olhos propensos a vaguear, esses olhos que se movem quase automaticamente e veem coisas que iludem e induzem ao pecado”. “Faça uma aliança com os seus olhos”, declara esse homem. Concorde em não olhar para coisas que tendem a levá-lo ao pecado. Se isso era importante naqueles dias, é muito mais importante em nossos dias, quando temos jornais, cinemas, outdoors, televisão e assim por diante! Se há uma época em que os homens precisam fazer aliança com seus olhos, esta época é agora. Tenham cuidado com o que leem. Certos jornais, livros e diários, se os lerem, eles lhes serão prejudiciais. Vocês devem evitar tudo que lhes prejudica e diminui sua resistência. Não olhem na direção dessas coisas; não queira nada com elas... Na Palavra de Deus, vocês são instruídos a mortificar “os feitos do corpo” e não satisfazer “a carne no tocante às suas concupiscências”. Agradeça a Deus pelo evangelho poderoso. Agradeça a Deus pelo evangelho que nos diz que agora somos seres responsáveis em Cristo e que nos exorta a agir de um modo que glorifica o Salvador. Portanto, “nada disponhais para a carne no tocante às suas concupiscências”.

Meu próximo assunto é sobremodo importante: enfrentem as primeiras movimentações e impulsos do pecado em vocês; combatam-nos logo que aparecerem. Se não fizerem isso, estão arruinados. Vocês cairão, conforme somos ensinados na epístola de Tiago: “Ninguém, ao ser tentado, diga: Sou tentado por Deus; porque Deus não pode ser tentado pelo mal e ele mesmo a ninguém tenta. Ao contrário, cada um é tentado pela sua própria cobiça, quando esta o atrai e seduz. Então, a cobiça, depois de haver concebido, dá à luz o pecado; e o pecado, uma vez consumado, gera a morte”. O primeira moção do pecado é um encantamento, um leve incitação de cobiça e sedução. Esse é o momento em que temos de lidar com o pecado. Se deixarem de enfrentar o pecado nesse estágio, ele os vencerá. Cortem o mal pela raiz. Ataquem-no de imediato. Nunca lhes permitam qualquer avanço. Não o aceitem de maneia alguma. Talvez sintam-se inclinados a dizer: “Bem, não farei tal coisa”; mas, se aceitam a ideia em sua mente e começam a afagá-la e entretê-la em sua imaginação, vocês já estão derrotados. De acordo com o Senhor, vocês já pecaram. Não precisam realmente cometer o ato; nutri-lo no coração já é o suficiente. Permitir isso no coração significa pecar aos olhos de Deus, que conhece tudo a respeito de nós e vê até o que acontece na imaginação e no coração. Portanto, destruam o mal pela raiz, não tenham qualquer relação com ele, parem-no imediatamente, ao primeiro movimento, antes que comece a acontecer esse processo ímpio descrito por Tiago.

No entanto, lembrem-se de que isto — que será nosso próximo assunto — não significa repressão. Se vocês apenas reprimirem uma tentação ou esse primeiro movimento do pecado, ele provavelmente surgirá novamente com mais vigor. Nesse sentido, concordo com a psicologia moderna. A repressão é sempre má. “Então, o que devo fazer?”, alguém pergunta. Eu respondo: quando sentir aquele primeiro movimento do pecado, erga-se e diga: “Isto é mau; isto é vileza; é aquilo que expulsou do Paraíso os nossos primeiros pais”. Rejeite-o, enfrente-o, denuncie-o, odeie-o pelo que é. Assim, terá lidado realmente com o pecado. Você não deve apenas fazê-lo recuar, com um espírito de temor e de maneira tímida. Traga-o à luz, exponha-o, analise-o e, denuncie-o pelo que ele é, até que o odeie.

Meu último assunto neste tema é que, se você cair no pecado (e quem não cai?), não restaurem a si mesmos de modo superficial e apressado. Leiam 2 Coríntios 7 e considerem o que Paulo disse sobre a “a tristeza segundo Deus” que produz arrependimento. Outra vez, tragam à luz aquilo que fizeram, contemplem-no, analisem-no, exponham-no, denunciem-no, odeiem-no e denunciem a si mesmos. Mas não façam isso de um modo que os atire nas profundezas da depressão e desânimo! Sempre tendemos a ir aos extremos; ou somos muito superficiais ou muito profundos. Não devemos curar superficialmente a ferida (cf. Jr 6.14), mas tampouco devemos lançar-nos no desespero e melancolia, dizendo que tudo está perdido, que não podemos ser crentes, e retornar ao estado de condenação. Isso é igualmente errado. Temos de evitar ambos os extremos. Façam uma avaliação honesta de si mesmos e do que fizeram, condenando totalmente a si mesmos e seu ato; porém compreendam que, confessando-o a Deus, sem qualquer desculpa, “ele é fiel e justo para nos perdoar os pecados e nos purificar de toda injustiça” (1 Jo 1.9). Se vocês fizerem essa obra de maneira superficial, cairão novamente no pecado. E, se vocês se lançarem em um abismo de depressão, hão de sentir-se tão desesperados que cairão em mais e mais pecado. Uma atmosfera de melancolia e fracasso leva a mais fracasso. Não caiam em nenhum desses erros, mas respondam à obra da maneira como o Espírito sempre nos instrui a fazê-la.

Texto extraído de: David Martyn Lloyd-Jones - Exposição do livro de Romanos 8:15-17